Texto de Ronaldo Entler, pesquisador, professor e coordenador de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Facom-FAAP), sobre o livro Imagens Posteriores. Publicado hoje no maravilhoso blog Icônica, que ele mantém com Rubens Fernandes Júnior, Claudia Linhares Sanz e Mauricio Lissovsky.
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25 março 2013
28 julho 2012
Da Saudade, by Angela Magalhães and Nadja Peregrino
(...) Patricia Gouvêa, filled with longing for her ancestors, goes on taking pictures of Festa do Divino, in Florianópolis, the most important celebration in the Azorian calendar. Because of its Christian nature, that event cannot be dissociated from the devotion to the Holy Spirit or from the tradition that has been preserved by means of solidary initiatives and religious experience. Having taken place for over two hundred and fifty years in the community of Santo Antônio de Lisboa, in the capital city of the state of Santa Catarina, it is invariably represented by its folkloric nature through which Azorians try to preserve the authenticity and rigor of the liturgical act. In fact, Gouvêa begins investigating the Portuguese cultural heritage in 1999, in Rio de Janeiro. On that occasion, she becomes aware of the importance of rituals for the Portuguese-Brazilian community that seeks to reaffirm a direct connection with the memories of a rural past in pre-emigrating times. More than that, Gouvêa believes it is possible to reaffirm her ties by means of a forgotten family ancestor; a time-faded picture; the Portuguese fellow who owned the tavern on the corner; or even a close relation who, in spite of having lived in this country for a long time, keeps his or her heavy accent.
13 julho 2012
Livro Membranas de Luz: os tempos na imagem contemporânea
O livro, resultado da pesquisa realizada no Mestrado em Comunicação e Cultura na ECO/UFRJ, foi lançado pela Azougue Editorial em junho de 2011 no Ateliê da Imagem, durante o FotoRio 2011. Desde então, foi lançado em outras cidades brasileiras como Paraty (RJ), durante o festival Paraty em Foco, em Belém (PA), no Café Fotográfico da Associação Fotoativa, e em Belo Horizonte (MG), no evento Foto em Pauta no Oi Futuro.
Aqui resenha de Eurípedes G. da Cruz Júnior (IBRAM) sobre o livro.
Banco de Tempo, por Isabel Portella
Esta exposição, que liga o dentro e o fora da galeria, funciona como uma fita de Moebius unindo um devir contemplativo sobre o tempo e o lugar da ação. Seria a combinação entre espaços públicos de convívio social e elementos subjetivos. A partir de um desejo puramente conceitual, as artistas privilegiaram a palavra e expandiram os suportes - a fotografia e o vídeo - como meditações sobre a carga subjetiva da paisagem que configura o seu campo de ação.
As artistas utilizaram como estratégia o registro em tempo real de situações simples, como ler, descansar, refletir − experiência visual e sensória voltada para o cotidiano. Os bancos sugerem transitoriedade e desterritorialização – contaminações de um fragmento em outro num mesmo tempo. A obra, assim, é re-potencializada a cada novo banco. As artistas pensaram em parques e bancos sem fronteiras: bancos para pensar, para meditar, bancos para refletir.
Tantas vozes. Depoimentos recolhidos investigam tempos vividos, desejos latentes iguais em todos os lugares: desejos de horas. Desejos impossíveis, anseios inalcançáveis. Tanto foi dito, tanto a ser dito. Frases que sugerem, que nos fazem pensar em recortes do tempo, de pensamento, de idéias. Confronto com superfícies fluidas, mas que, paradoxalmente, indicam uma espécie de lugar projetivo e imersivo onde o visitante pode inserir-se - uma ambiência que se substancializa em espaço, que é ao mesmo tempo vivência e acolhimento.
As artistas utilizaram como estratégia o registro em tempo real de situações simples, como ler, descansar, refletir − experiência visual e sensória voltada para o cotidiano. Os bancos sugerem transitoriedade e desterritorialização – contaminações de um fragmento em outro num mesmo tempo. A obra, assim, é re-potencializada a cada novo banco. As artistas pensaram em parques e bancos sem fronteiras: bancos para pensar, para meditar, bancos para refletir.
Tantas vozes. Depoimentos recolhidos investigam tempos vividos, desejos latentes iguais em todos os lugares: desejos de horas. Desejos impossíveis, anseios inalcançáveis. Tanto foi dito, tanto a ser dito. Frases que sugerem, que nos fazem pensar em recortes do tempo, de pensamento, de idéias. Confronto com superfícies fluidas, mas que, paradoxalmente, indicam uma espécie de lugar projetivo e imersivo onde o visitante pode inserir-se - uma ambiência que se substancializa em espaço, que é ao mesmo tempo vivência e acolhimento.
Isabel Portella, Dezembro de 2011
02 julho 2012
Da saudade, por Nadja Peregrino e Angela Magalhães
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As Meninas #2 |
Ludic Art Exercises, by Isabel Portella
Patricia Gouvêa’s photographs are self-contained. The artist refuses easy views, sights occupied only with what has been seen. One must “lose” time and look beyond it.
The works in the series in progress Exercícios de Arte Lúdica [Ludic Art Exercises], which includes photographs and videos and began in 2005, are a development from the research the artist has been doing on the notion of Time in images.Patricia is an artist without borders. Her lens captures playful actions and games usually performed and played outdoors by the residents of the many cities she has visited. It is these moments of rest and leisure in the everyday lives of urban spaces that the artist contemplates. Cities, therefore, stand as points of vantage. The idea is to find situations where the thrills and experiences provided by games, by sports, and simply by free time can emerge in each and every one of us. According to the artist herself, an ode to apparently “dead times”. A demand on the sensory experience every space can provide, not through the utopian pursuit of idyllic spots, but in the discovery of real ones. Passing time through relaxing activities as a moment for reflection. The escape from claustrophobic, sometimes unproductive routine as the only choice for sanity.
Patricia understands her relationship with space through the notion of time: she seeks out places where useful time can be lost by attempting to turn the concept into playfully constructive time.
Francesco Careri, in his book “Walkscapes – Walking as an Aesthetic Practice”, emphasizes the proposal: “the city was a game that could be used for pleasure, a space where we could all live collectively and experience alternative behaviors.”
The strategy prevents life from becoming the realm of fixed identities, of attitudes ideologically committed to productivity alone. The proposal, however, is for this challenge to stand as a poetic gesture.
Exercises in Playful Art affords a view of the procedures adopted by the artists and instigates viewers to find their own playfully constructive time. And, by putting theses issues into play, it introduces poetic discourse as a space for intervention.
The strategy prevents life from becoming the realm of fixed identities, of attitudes ideologically committed to productivity alone. The proposal, however, is for this challenge to stand as a poetic gesture.
Exercises in Playful Art affords a view of the procedures adopted by the artists and instigates viewers to find their own playfully constructive time. And, by putting theses issues into play, it introduces poetic discourse as a space for intervention.
Isabel Sanson Portella, May 2011
Exercícios de Arte Lúdica, por Isabel Portella
As fotografias de Patricia Gouvêa têm uma contenção própria. A artista recusa o olhar fácil, a visão ocupada apenas com o já visto. Há que “perder” tempo e olhar além.
Os trabalhos da série in progress Exercícios de Arte Lúdica, composta de fotografias e vídeos e iniciada em 2005, são um desdobramento da pesquisa que a artista vem desenvolvendo sobre a noção de Tempo na imagem.
Patricia é artista sem fronteiras. Capta, com sua lente, atividades lúdicas, brincadeiras e jogos geralmente executados ao ar livre pelos moradores das diversas cidades por onde passou. São esses momentos de descanso e prazer, percebidos no cotidiano dos espaços urbanos, que a artista contempla. As cidades se apresentam então como lugares de observação. A idéia é encontrar situações onde as emoções e experiências propiciadas pelo jogo, pelos esportes e pelo simples tempo livre aflorem em todos nós. Segundo a própria artista, uma ode aos aparentemente “tempos-mortos”. Uma solicitação à experiência sensorial que cada espaço pode proporcionar, não na procura utópica de locais idílicos, mas no encontro de lugares verdadeiros. A passagem do tempo em atividades descontraídas como um momento de reflexão. A fuga da rotina claustrofóbica, às vezes improdutiva, como única opção para a sanidade.
Patricia compreende sua relação com o espaço a partir da ideia de tempo: procura encontrar locais onde seja possível perder o tempo útil visando transformar esse conceito em tempo lúdico-construtivo.
Francesco Careri, em seu livro “Walkscapes – El andar como práctica estética”, ressalta a proposta: “a cidade era um jogo que podia ser utilizado para o prazer, um espaço no qual viver coletivamente e experimentar comportamentos alternativos”.
Essa estratégia impede que a vida seja um espaço de identidades fixas, de atitudes comprometidas ideologicamente apenas com produtividade. A proposta, no entanto, é que esse atravessamento se configure como gesto poético.
Exercícios de Arte Lúdica propicia uma visão dos procedimentos adotados pela artista e nos instiga a procurar o nosso tempo lúdico-construtivo. E, ao colocar essas questões em jogo, apresenta o discurso poético como espaço de intervenção.
Isabel Sanson Portella Maio de 2011
Veja as imagens desta série Veja imagens da exposição
Uma fenda no tempo, por Claudia Buzzetti
Fenda s.f. Abertura longa e estreita; racha; frincha; fissura. Uma sugestão, à meia-voz, nos acompanha olhando as imagens. Um referência ao feminino que é quase impossível de ser ignorada, um fil rouge, uma chave de leitura. Patricia Gouvêa explora nessas imagens um universo de arquétipos, e dispõe elementos fundamentais que definem uma pesquisa pessoal sobre a fotografia e sobre o seu próprio gênero.
A referência principal, além dos modelos e das idéias que pertencem à nossa consciência coletiva, é a deusa nórdica da vida e da morte: Hel. Sua tarefa é muito interessante, pois ela ajuda os mortos a rejuvenescer, até eles estarem prontos para renascer: o tema da reencarnação, que não pertence só ao mundo oriental, mas que aparece também em nossa própria cultura ocidental.
Esta referência, dada pela própria fotógrafa, nos indica um caminho para ler a história de Fenda, que aos poucos torna-se quase um nome próprio - uma outra deusa que aparece nos fotogramas e que logo desaparece, deixando uma pista, além de alguns “pertences”.
O ponto de partida dessa viagem foi “um lote de filme médio formato, em preto e branco, com prazo de validade vencido há pelo menos 10 anos”. E um livro como inspiração, da artista Francesca Woodman. Esta série, criada entre 2003 e 2004, foi realizada com uma câmara sem fotômetro, a Rolleiflex, e nos apresenta um lugar de intimidade da artista.
Posterior Images, by Massimo Mussini
Patricia Gouvêa´s work is based no longer on personal memories, but on the relationship between individual and phenomenal reality. Her research has a linguistic duality that uses still images and movements, both strictly adherents to the principles of photography and its expression through light. She considers photography as something far from historical tradition and technical process so that it can be better connected to the current purpose of valueing the visual arts as a unity within the process of neo-conceptual investigation.
Starting from images of landscapes, the author is interested not in the morphological or historical shapes of nature, but in inner sensations, emotional and psychological reactions provoked by the visual analysis of reality. Her research can be included in the impressionist tradition which was adopted by many of the 20th -century photographers.
Starting from images of landscapes, the author is interested not in the morphological or historical shapes of nature, but in inner sensations, emotional and psychological reactions provoked by the visual analysis of reality. Her research can be included in the impressionist tradition which was adopted by many of the 20th -century photographers.
The use of out-of-focus images and movement are functional instruments to wipe out the descriptive characteristic of the images and to link it to a psychological vision in which shapes and colors of variable outlines play a distinct communicative role. At this extent, Patricia Gouvêa´s images reveal modernity by dissociating her work from the impressionist structure to connect it to the psychoanalytical symbolism.
It is possible to draw a parallel between Patrícia´s work and the pictorial abstractions of Kandinsky and Klee, considering the intimate relation that they establish in shape, color and musical rythm. However, this parallelism should not mean derivation, but analogy with conceptual behavior.
Imagens posteriores, por Massimo Mussini
Não sobre a memória pessoal, mas sobre a relação individual que se instaura entre indivíduo e realidade fenomênica se baseia o trabalho de Patricia Gouvêa. Ela coloca a sua pesquisa sobre um duplo plano lingüístico, utilizando a imagem fixa e o movimento, ambas estreitamente aderentes ao princípio da fotografia como escritura com a luz. A sua idéia de fotografia se distancia da tradição histórica e do processo técnico, para aproximar-se do atual propósito de reconhecer valor unitário às artes visuais sobre o plano da pesquisa neoconceitual.
Partindo da imagem de paisagem, o que interessa à autora não é a transmissão de contornos morfológicos e históricos da realidade natural, mas sim o conjunto das sensações interiores, das reações pessoais, emotivas e psicológicas, que a análise visual da realidade lhe suscita. Esta sua pesquisa se coloca no interior da tradição iniciada pelas tendências pictóricas impressionistas e apropriada, com as devidas adequações, por numerosos fotógrafos do século XX.
O uso do desfocado e do movimento tornam-se instrumentos funcionais para apagar a característica descritiva da imagem fotográfica, vinculando-a a uma psicologia do olhar na qual formas e cores de contornos incertos assumem um papel comunicativo distinto. É neste âmbito que as imagens de Patricia Gouvêa revelam a sua modernidade com o distanciamento da fisiologia substancialmente ótica do impressionismo para aproximar-se do simbolismo psicanalítico.
Posterior Images, by João Wesley
Posterior Images
The inference intended by the above title - in the case of Patricia Gouvêa’s images - does more than justify itself, it is a substantiated statement. The accomplishment of a visual manifestation, made viable by the introduction of recent technological innovations[1], constitutes the poetic north of this artist. Patricia renders photography as her means to capture senses, the camera as the element of imprecise intermediation with the real, and the computer as her tool to dilute references.
It could be said that in approaching these images, one is made to understand that, ultimately, the large scale introduction of computerized photographic methods in the realm of flat configuration would result in the revisiting of the question about art that proceeded the well known modern period. The substantial increase of photographic images in current visual art expositions leads us to think of a certain return to the issue of representation. The proliferation of references linked to the world, the truth of the negative film contained in the photographic mechanism and its possible transmutations in the digital environment, when oriented to the image fidelity, lead to the idea of a new academic flowering. However, this remark is not applicable to Patricia Gouvêa’s work. Her images, although still portraying a connecting hint with the photographed motif, are transubstantiated in the technical imperfection (poor photography) as well as when interacting with the cybernetic world, thus transforming itself into something else, which is no longer the motif first ‘clicked’.
Imagens Posteriores, por João Wesley
Imagens Posteriores
A indução pretendida pela legenda acima, no caso específico das imagens de Patricia Gouvêa, faz mais do que se justificar, é uma afirmação procedente. A conquista de uma manifestação visual, que se viabiliza através da introdução das recentes inovações tecnológicas(1), constitui-se no norte poético desta artista. Patricia faz da fotografia o seu meio de apreensão de sentidos, do aparelho-câmera o elemento de intermediação imprecisa com o real, e do computador o seu mecanismo de diluição de referências.
Poderíamos em uma primeira abordagem sobre estas imagens sermos levados a entender que, ultimamente, a introdução em larga escala de recursos fotocomputadorizados no campo das configurações planares acabaria nos suscitando um retorno às questões da arte que antecederam ao conhecido período moderno. O aumento significativo da participação de imagens fotográficas nas atuais mostras de artes visuais, faz com que pensemos em um certo retorno à questão da representação. Uma proliferação de referências ligadas ao mundo, a verdade da película em negativo contida no mecanismo fotográfico e suas possíveis transmutações no ambiente digitalizado, quando orientadas para a intenção de fidelidade de uma imagem, terminam enfatizando uma noção de reflorescimento acadêmico. Porém nas obras de Patricia Gouvêa, esta constatação não é válida. Suas imagens, apesar de ainda possuirem uma conexão indicial com o motivo fotografado, são transubstanciadas na imperfeição técnica (má fotografia) e também quando interagem com o ambiente cibernético, tornando-se outra coisa, que não é mais o motivo primeiro submetido ao "clic".
Membranas de Luz: os tempos na imagem contemporânea, por Eurípedes G. da Cruz Júnior
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@Abbas Kiarostami, still de Five |
Algumas noções “grudam” no imaginário coletivo – transformam-se em verdades eternas, cláusulas pétreas sempre invocadas quando se aborda o assunto a elas relativo. Um exemplo é o que apresenta o artista como um indivíduo meio gênio, meio louco, noção que vem desde a publicação, em 1872, do livro Genio e Follia, do médico vienense Cesare Lombroso, onde ele teoriza sobre a proximidade entre loucura e genialidade, que seriam as duas faces da mesma moeda psicológica. O Romantismo fixou essa construção com tal solidez que até hoje muitas pessoas ainda crêem nela.
Quando se fala em fotografia indubitavelmente vem à mente a noção de “tempo congelado”, morte do fluxo, derivados do instantâneo ou da pose, senhores absolutos dos domínios da linguagem fotográfica.
Em Membranas de Luz, a artista Patricia Gouvêa desconstrói essas noções como pretexto e ponto de partida para levar o leitor além da superficialidade, instiga-lo a refletir, junto com ela, sobre transcendências – sair da mera reação às imagens para a experiência das mesmas, em especial aquelas que “nascem sob o signo da necessidade, as imagens apresentadas pela arte, que estimulam a inteligência poética e a reflexão crítica e filosófica sobre o mundo.”
E é sob a marca de sua própria necessidade (p. 17) que a autora, permeando todo o livro, impregna-o de uma visceralidade que retira do texto a assepsia e impessoalidade que geralmente caracterizam os textos que se originam de trabalhos acadêmicos, como é o caso deste. A autora, Mestre em Comunicação e Cultura na linha Tecnologias da Comunicação e Estéticas da Imagem pela ECO/UFRJ, utiliza o relacionamento íntimo entre o texto e as ilustrações – experiências – de outros teóricos e/ou artistas para permitir ao leitor não especialista acompanhar o fluxo do pensamento e o aprofundamento dos conceitos de forma segura.
Bite Magazine
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@Alfredo de Stéfano |
Texto e curadoria realizados para a Bite Magazine
Fotografias me alimentam. Fotografias me transportam. Fotografias me marcam.
Fotografias abrem uma fenda no tempo do
ordinário ou transformam o ordinário em extraordinário.
Esta seleção de trabalhos em fotografia não
tem uma linha mestra: constituem apenas uma parte das imagens que em algum
momento me despertaram emoção e que, por isso, até hoje me acompanham.
São trabalhos de artistas tão diferentes como
foram os caminhos percorridos, as reflexões e desafios que cada tema provocou,
levando-os a criar métodos, conceitos e soluções para tornar matéria o que nasce
devaneio.
Uma idéia na cabeça e uma mostra que cabe numa mala: a NANOexposição
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@Patricia Gouvêa, Nanorelação |
Texto publicado no Jornal Atual #2, publicado pela Azougue Editorial
Um dos movimentos mais interessantes que vêm ocorrendo entre artistas contemporâneos é a criação de coletivos de trabalho e associações colaborativas. Projetos coletivos não são certamente novidade neste meio, mas as intenções atuais certamente mudaram de tom.
O Fluxus, ativo nas décadas de 60 e 70, reunia artistas visuais, músicos e escritores (como Nam Junk Paik, John Cage e Yoko Ono, só para citar alguns) e era muito mais do que um grupo e sim uma atitude diante do mundo e da forma de se fazer arte. Como dizia o artista Dick Higgins, um de seus integrantes, "Fluxus não foi um momento na história ou um movimento artístico. É um modo de fazer coisas (...), uma forma de viver e morrer".
Experimentação de mídias, rompimento de barreiras entre arte e não arte e contestação eram não só idéias, mas práticas “fluxus” bema o espírito da época. No Brasil, o Grupo Rex, criado em 1966 em São Paulo por Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Geraldo de Barros, Carlos Fajardo, José Rezende e Frederico Nasser pode ser apontado como a versão tupiniquim do Fluxus, com toda sua crítica bem humorada e irreverente ao sistema de arte. Só, diferentemente do Fluxus, este teve vida curta e durou apenas um ano.
Os anos 2000 viram explodir a disseminação de coletivos artísticos e, embora muitos deles possam ter uma atuação política, esta não parece ser a de uma contestação direta do sistema de arte per si e sim a criação de formas alternativas de atuação no meio, muitas delas rompendo e invertendo relações institucionalizadas e hierarquizadas como a que caracteriza o circuito instituição/curador/artista.
Faço parte desde 2005 do coletivo carioca Grupo DOC* (Desordem Obssessiva Compulsiva), criado com o objetivo de lançar e provocar ações afetuosas no circuito de arte, num movimento de artistas para artistas, utilizando para isso propostas desenvolvidas para espaços “oficiais” e alternativos. Não exercemos curadoria, fazemos um convite a artistas e estes nos respondem com trabalhos, como aconteceu em nossa primeira “idéia-ação”, a Nanoexposição, lançada em junho de 2005 na Galeria Arte em Dobro. Nosso convite: tangenciar a questão da nanociência no campo da arte, provocando os artistas a repensarem a quase imposição dos grandes formatos na arte contemporânea e a produzirem uma obra com o mínimo de tamanho e o máximo de potência conceitual e poética.
A primeira versão da NANO teve 34 artistas e foi um sucesso tão grande de público e de mídia que provocou uma itinerância que dura até hoje, por meio de convites de galeristas e artistas que a viabilizam em outros locais, o que também é facilitado pelo fato da exposição viajar inteira num mala. Desde a versão carioca, a NANO foi montada em mais quatro cidades brasileiras em 2005/2006 (São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Vitória), participou em 2005 da primeira edição da ArtBO, feira internacional de arte de Bogotá, Colômbia, e em fevereiro deste ano foi montada no Studio 44/Artist Space, em Estocolmo, Suécia, por meio de um convite de um outro coletivo.
Como parte do conceito expositivo, em cada cidade e país por onde passa a Nanoexposição artistas são convidados por um curador local a unirem-se ao time, outra parte é trazida das versões anteriormente realizadas. O time da NANO só cresce: na edição na Galeria Murilo Castro, em Belo Horizonte, participaram 135 artistas; na Suécia, 170. O público foi recorde, com cerca de 1000 visitantes em 15 dias! Em 2010, a Nano irá para Cingapura e mal podemos esperar para ver a reação do público de lá, sem falar nas obras dos artistas cingapurianos que toparão o desafio: será que desta vez as obras serão mais tecnológicas?
A NANO certamente mexeu não só com a cabeça dos artistas, pois foram muitas adesões voluntárias, mas também com a dos observadores. Com o nano-formato, oferecemos ao espectador um espaço de observação diferenciado: a intimidade e a exploração através de uma lupa. Fragmentado pela miniaturização mas ainda assim completo e repleto de poesia singular, o aspecto reduzido da nano-obra suscita também o jogo lúdico do pequeno objeto portátil, que seduz o impulso do colecionador que habita em todos nós.
* O Grupo DOC foi formado por mim e pelos artistas Isabel Löfgren, Marco Antonio Portela e Mauro Bandeira. Para ver imagens e informações de todas as versões da NANO e outras ações do DOC: www.grupodoc.net
Em dezembro de 2009 o Grupo DOC inaugurou a coletiva DESPACHO, na Galeria do Ateliê, finalizando suas atividades com um despacho entre amigos.
Experimentação de mídias, rompimento de barreiras entre arte e não arte e contestação eram não só idéias, mas práticas “fluxus” bema o espírito da época. No Brasil, o Grupo Rex, criado em 1966 em São Paulo por Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Geraldo de Barros, Carlos Fajardo, José Rezende e Frederico Nasser pode ser apontado como a versão tupiniquim do Fluxus, com toda sua crítica bem humorada e irreverente ao sistema de arte. Só, diferentemente do Fluxus, este teve vida curta e durou apenas um ano.
Os anos 2000 viram explodir a disseminação de coletivos artísticos e, embora muitos deles possam ter uma atuação política, esta não parece ser a de uma contestação direta do sistema de arte per si e sim a criação de formas alternativas de atuação no meio, muitas delas rompendo e invertendo relações institucionalizadas e hierarquizadas como a que caracteriza o circuito instituição/curador/artista.
Faço parte desde 2005 do coletivo carioca Grupo DOC* (Desordem Obssessiva Compulsiva), criado com o objetivo de lançar e provocar ações afetuosas no circuito de arte, num movimento de artistas para artistas, utilizando para isso propostas desenvolvidas para espaços “oficiais” e alternativos. Não exercemos curadoria, fazemos um convite a artistas e estes nos respondem com trabalhos, como aconteceu em nossa primeira “idéia-ação”, a Nanoexposição, lançada em junho de 2005 na Galeria Arte em Dobro. Nosso convite: tangenciar a questão da nanociência no campo da arte, provocando os artistas a repensarem a quase imposição dos grandes formatos na arte contemporânea e a produzirem uma obra com o mínimo de tamanho e o máximo de potência conceitual e poética.
A primeira versão da NANO teve 34 artistas e foi um sucesso tão grande de público e de mídia que provocou uma itinerância que dura até hoje, por meio de convites de galeristas e artistas que a viabilizam em outros locais, o que também é facilitado pelo fato da exposição viajar inteira num mala. Desde a versão carioca, a NANO foi montada em mais quatro cidades brasileiras em 2005/2006 (São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Vitória), participou em 2005 da primeira edição da ArtBO, feira internacional de arte de Bogotá, Colômbia, e em fevereiro deste ano foi montada no Studio 44/Artist Space, em Estocolmo, Suécia, por meio de um convite de um outro coletivo.
Como parte do conceito expositivo, em cada cidade e país por onde passa a Nanoexposição artistas são convidados por um curador local a unirem-se ao time, outra parte é trazida das versões anteriormente realizadas. O time da NANO só cresce: na edição na Galeria Murilo Castro, em Belo Horizonte, participaram 135 artistas; na Suécia, 170. O público foi recorde, com cerca de 1000 visitantes em 15 dias! Em 2010, a Nano irá para Cingapura e mal podemos esperar para ver a reação do público de lá, sem falar nas obras dos artistas cingapurianos que toparão o desafio: será que desta vez as obras serão mais tecnológicas?
A NANO certamente mexeu não só com a cabeça dos artistas, pois foram muitas adesões voluntárias, mas também com a dos observadores. Com o nano-formato, oferecemos ao espectador um espaço de observação diferenciado: a intimidade e a exploração através de uma lupa. Fragmentado pela miniaturização mas ainda assim completo e repleto de poesia singular, o aspecto reduzido da nano-obra suscita também o jogo lúdico do pequeno objeto portátil, que seduz o impulso do colecionador que habita em todos nós.
* O Grupo DOC foi formado por mim e pelos artistas Isabel Löfgren, Marco Antonio Portela e Mauro Bandeira. Para ver imagens e informações de todas as versões da NANO e outras ações do DOC: www.grupodoc.net
Em dezembro de 2009 o Grupo DOC inaugurou a coletiva DESPACHO, na Galeria do Ateliê, finalizando suas atividades com um despacho entre amigos.
Showroom! sobre a exposição de Mauro Bandeira
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@Mauro Bandeira, Série Negra |
Texto para a exposição Showroom, de Mauro Bandeira | Galeria do Ateliê, 2008
Art
is not a show in itself. It’s a necessity.
Richard Tuttle
O título Showroom! poderia sugerir que esta
exposição de Mauro Bandeira se tratasse de mero agrupamento despretensioso de
obras desenvolvidas nos últimos anos pelo artista, como o fazem grandes lojas
de mobília e objetos para atrair potenciais clientes que ainda não estão certos
do que comprar.
Showroom! é, no entanto, como as duas palavras tomadas do
inglês podem significar, além de seu sentido literal, um espaço à mostra, um laboratório de idéias,
um local que convoca o espectador a experimentar os objetos criados pela
necessidade de um artista: Venha! Olhe! – um convite e uma coragem.
Neste “espaço à
mostra”, a linha se afirma como fio condutor para a pesquisa de Bandeira,
saltando do plano da tela para os relevos sobre papel, criando destas
topologias em branco novos papéis milimetrados que brincam com suas
preferências artísticas, daí tornando-se maleável como o tecido até criar, para
seu próprio deleite, um novo alfabeto – todo um repertório de novas leituras e
desarranjos para o que normalmente designamos desenho.
Maya e Francesca ou como algumas experiências provocam em nós tremores de terra.
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retrato de Maya Deren |
Publicado originalmente no Jornal Atual #1, editado pela Azougue Editorial
Algumas experiências provocam em nós tremores de terra. (veja aqui com imagens)
Sem dúvida, uma das mais fortes é o encontro ou
a descoberta de um trabalho artístico novo e fresco que nos deixa com aquele
frio na barriga que só os grandes encontros amorosos produzem. Quase por acaso,
está ali à sua frente a obra de um ser que te deixa desnorteado, perplexo e com
uma invejazinha lá no fundo de não ter tido, antes, aquela mesma idéia.
Tive alguns encontros destes pela vida. Os
melhores, para mim, se deram solitariamente, quando você está liberado de
qualquer compromisso com o tempo cronológico dos relógios e pode realmente
viajar no seu próprio tempo interno, ir lá numa gaveta do passado e fazer
associações diversas, tropeçar no futuro e finalmente voltar ao presente de
novo. O corpo se move nesse vai e vem de sensações, atualizando um virtual
pleno de possibilidades. Henri Bergson, um
dos filósofos fundamentais do século XX e referência obrigatória para se
discutir a noção de tempo, chamou muito acertadamente essa experiência de duração.[1]
Outro motivo para preferir as descobertas
solitárias é que posso nutrir a falsa ilusão de que eu, apenas eu, tive o
privilégio de descobrir aquele “tesouro” e que sou guardiã de seu valor, tendo
o direito, portanto, de escolher quem é merecedor de ser iniciado neste
mistério.
Pois bem, nestes encontros, nosso corpo inteiro
parece se mover. Para mim, o melhor termômetro para medir se estou prestes a
ter um “treco”, um êxtase artístico, é quando sinto meu abdômen inteiro em
brasas. Que brasa boa! Lembro uma vez de ficar chapada em uma das cadeiras do
Teatro Municipal depois da apresentação de uma cia de dança contemporânea
israelense. Simplesmente era impossível levantar depois de assistir um dueto de
um bailarino com um rato. Não era algo pensado gratuitamente para chocar o
público, mas um exercício de delicadeza e interação de dois corpos com escalas
tão discrepantes. Não havia música, apenas se ouvia a respiração do bailarino.
Não havia cenário. Nada. Ali estava em jogo os limites do corpo e uma discussão
sobre os limites da dança.
Ao meu lado, na platéia, estava o bailarino
Rubens Barbot, que eu conhecia do circuito de dança contemporânea dos anos
1980/1990, quando eu acompanhava todas as montagens que passavam por aqui,
tentando suprir meu complexo de bailarina frustada. Ficamos os dois mudos
durante o espetáculo, enquanto na platéia se ouviam os “Ohs” e “Uis” a cada vez
que o ratinho parecia que ia se descolar do corpo do bailarino e cair no chão.
No final, nós dois não conseguíamos levantar. Ele olhava pra mim e eu olhava
pra ele. Não era preciso dizer nada. Pra quem um dia dançou ou ainda dança,
sabe muito bem o que estas experiências produzem no corpo.
Quero aqui apresentar ou relembrar (pra quem já
conhece) dois dos “meus” tesouros mais caros, duas artistas muito atuais que
morreram ambas precocemente: a cineasta russa naturalizada americana Maya Deren
(1917-1961) e a fotógrafa americana Francesca Woodman (1958-1981).
A Favela como Paisagem
![]() |
@Walter Mesquita |
Texto e curadoria feitos para a exposição Viva Favela 10 anos | Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, RJ, 2011
“Paisagem, como parergon ou como Argumento, é território mediado; é território que foi esteticamente processado. É o território que por si mesmo se organizou, ou que foi organizado pelo olhar artístico, de forma que está pronto para posar para seu portrait.”*
A palavra alemã Landschaft, antes
de adquirir uma forte conotação estética em função da pintura, possuía em sua
origem um sentido mais geográfico, topográfico ou territorial: paisagem dizia
respeito à patria, à região de pertencimento. Mais tarde, a paisagem passou a
ser concebida como a forma como a natureza se faz ver como imagem, uma
representação, portanto, de ordem estética e produto da cultura. Do outro lado
da imagem da paisagem estava o espectador, definidor do ponto de vista, e
elemento invisível desta equação.
Artistas de todos os tempos
levaram essa investigação sobre as relações entre arte e natureza às últimas
consequências, com destaque para os artistas da landart (ou arte do território), que, voltando-se para os vazios
territoriais – desertos, terrenos baldios, construções abandonadas,
interstícios entre cidades – mostraram toda a potência criadora contida no
silêncio, e no é aparentemente desprovido de função.
A Spiral Jetty de Robert Smithson
– um dos expoentes desse movimento –, feita no final dos anos 1960 sobre a
superfície do Grande Lago Salgado do Estado de Utah, nos Estados Unidos, não
foi uma obra sobre a paisagem
encontrada, e sim uma paisagem percebida como obra em si. Assim, também podemos
pensar na favela como a paisagem privilegiada que desafia artistas, pensadores
e criadores dos nosso tempos. O silêncio não está mais em jogo, mas persiste a
necessidade de se dar forma ao invisível que é sufocado pelo excesso de
visibilidade de um discurso externo focado na negatividade e na violência.
A favela, tecido feito de uma
complexa trama de seres, relações e formas alternativas e por vezes precárias
de habitar, criar e sonhar, constituiu, nesta última década, a matéria de
investigação do projeto Viva Favela, pioneiro na ressignificação da imagem
saturada de clichês e na construção da imagem diversificada que hoje podemos
testemunhar: uma paisagem em constante mutação.
Para Manoel de Barros, o poeta
das inutilezas, “todos os elementos são matéria de poesia, mas para mim o ser
humano é a grande matéria para poesia.” Ainda que o resultado desta exposição
espelhe a qualidade da formação do olhar estético e informativo de cada
fotógrafo do Viva Favela, é por trás das imagens que repousa a verdadeira
revolução silenciosa que este projeto propiciou: cada fotógrafo do Viva Favela
tornou-se um poeta que pode “refazer o
mundo por imagens, por eflúvios, por afeto”. E não há nada que possa demonstrar
a real dimensão do milagre de um ser livre e um olhar liberto.
* Andrews, Malcolm. Landscape and Western Art.
Oxford: Oxford University Press, 1999, p.7, citado por Lígia Saramago em A Arte
e a (re)criação da paisagem, revista Noz, n.3, 2009.
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