@Walter Mesquita |
Texto e curadoria feitos para a exposição Viva Favela 10 anos | Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, RJ, 2011
“Paisagem, como parergon ou como Argumento, é território mediado; é território que foi esteticamente processado. É o território que por si mesmo se organizou, ou que foi organizado pelo olhar artístico, de forma que está pronto para posar para seu portrait.”*
A palavra alemã Landschaft, antes
de adquirir uma forte conotação estética em função da pintura, possuía em sua
origem um sentido mais geográfico, topográfico ou territorial: paisagem dizia
respeito à patria, à região de pertencimento. Mais tarde, a paisagem passou a
ser concebida como a forma como a natureza se faz ver como imagem, uma
representação, portanto, de ordem estética e produto da cultura. Do outro lado
da imagem da paisagem estava o espectador, definidor do ponto de vista, e
elemento invisível desta equação.
Artistas de todos os tempos
levaram essa investigação sobre as relações entre arte e natureza às últimas
consequências, com destaque para os artistas da landart (ou arte do território), que, voltando-se para os vazios
territoriais – desertos, terrenos baldios, construções abandonadas,
interstícios entre cidades – mostraram toda a potência criadora contida no
silêncio, e no é aparentemente desprovido de função.
A Spiral Jetty de Robert Smithson
– um dos expoentes desse movimento –, feita no final dos anos 1960 sobre a
superfície do Grande Lago Salgado do Estado de Utah, nos Estados Unidos, não
foi uma obra sobre a paisagem
encontrada, e sim uma paisagem percebida como obra em si. Assim, também podemos
pensar na favela como a paisagem privilegiada que desafia artistas, pensadores
e criadores dos nosso tempos. O silêncio não está mais em jogo, mas persiste a
necessidade de se dar forma ao invisível que é sufocado pelo excesso de
visibilidade de um discurso externo focado na negatividade e na violência.
A favela, tecido feito de uma
complexa trama de seres, relações e formas alternativas e por vezes precárias
de habitar, criar e sonhar, constituiu, nesta última década, a matéria de
investigação do projeto Viva Favela, pioneiro na ressignificação da imagem
saturada de clichês e na construção da imagem diversificada que hoje podemos
testemunhar: uma paisagem em constante mutação.
Para Manoel de Barros, o poeta
das inutilezas, “todos os elementos são matéria de poesia, mas para mim o ser
humano é a grande matéria para poesia.” Ainda que o resultado desta exposição
espelhe a qualidade da formação do olhar estético e informativo de cada
fotógrafo do Viva Favela, é por trás das imagens que repousa a verdadeira
revolução silenciosa que este projeto propiciou: cada fotógrafo do Viva Favela
tornou-se um poeta que pode “refazer o
mundo por imagens, por eflúvios, por afeto”. E não há nada que possa demonstrar
a real dimensão do milagre de um ser livre e um olhar liberto.
* Andrews, Malcolm. Landscape and Western Art.
Oxford: Oxford University Press, 1999, p.7, citado por Lígia Saramago em A Arte
e a (re)criação da paisagem, revista Noz, n.3, 2009.
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