02 julho 2012

Imagens posteriores, por Massimo Mussini



Não sobre a memória pessoal, mas sobre a relação individual que se instaura entre indivíduo e realidade fenomênica se baseia o trabalho de Patricia Gouvêa. Ela coloca a sua pesquisa sobre um duplo plano lingüístico, utilizando a imagem fixa e o movimento, ambas estreitamente aderentes ao princípio da fotografia como escritura com a luz. A sua idéia de fotografia se distancia da tradição histórica e do processo técnico, para aproximar-se do atual propósito de reconhecer valor unitário às artes visuais sobre o plano da pesquisa neoconceitual.

Partindo da imagem de paisagem, o que interessa à autora não é a transmissão de contornos morfológicos e históricos da realidade natural, mas sim o conjunto das sensações interiores, das reações pessoais, emotivas e psicológicas, que a análise visual da realidade lhe suscita. Esta sua pesquisa se coloca no interior da tradição iniciada pelas tendências pictóricas impressionistas e apropriada, com as devidas adequações, por numerosos fotógrafos do século XX.

O uso do desfocado e do movimento tornam-se instrumentos funcionais para apagar a característica descritiva da imagem fotográfica, vinculando-a a uma psicologia do olhar na qual formas e cores de contornos incertos assumem um papel comunicativo distinto. É neste âmbito que as imagens de Patricia Gouvêa revelam a sua modernidade com o distanciamento da fisiologia substancialmente ótica do impressionismo para aproximar-se do simbolismo psicanalítico.

Se quisermos traçar um paralelismo, que não seja entendido como derivação, mas somente como analogia de comportamentos conceituais, podemos olhar as abstrações pictóricas de Kandinsky ou de Klee, a íntima relação que eles estabeleceram entre forma, cor e ritmo musical.

Também as imagens de Patrícia se sustentam através de uma estruturante relação com o ritmo musical, no sentido em que a música não é som fixo como a imagem fotográfica, mas som em movimento como uma seqüência cinematográfica.

Eis aqui explicado o motivo pelo qual Patricia sente a necessidade de instaurar um movimento no interior de suas imagens, a princípio através da aproximação em dípticos ou trípticos, que induzem a uma leitura dilatada sobre um espaço temporal e rítmico assinalado pelo corte entre uma imagem e outra. Trata-se, ainda, de um ritmo subjetivo, próprio de cada leitor e que não corresponde àquele da autora.

Num segundo momento, precisamente para tentar sintonizar o observador na onda comunicativa, ela cria um fragmento filmado, no qual as tomadas e as dissoluções das imagens estabelecem um tempo de leitura obrigatório. Não se trata, porém, de um ritmo objetivo, pois Patrícia Gouvêa tem clareza da impossibilidade de uma objetividade das imagens e a sublinha na escolha de representações não referenciais, de formas indecifráveis, desfocadas e transformadas em puras relações luminosas e cromáticas.

Fica claro que a música silenciosa das suas fotografias é um nascimento da alma e não ato fisiológico ligado à visão, que a função por ela assinalada às imagens não é absolutamente narrativa, mas, sim, emotiva.



Massimo Mussini, crítico italiano, por ocasião da exposição 4 fotografi dal Brasile (21º. Fotofestival de Montecchio Emilia, Itália, 2003)

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