02 julho 2012

Da saudade, por Nadja Peregrino e Angela Magalhães

As Meninas #2

(...) Patricia Gouvêa, movida pela saudade de seus ancestrais, parte para fotografar a festa do Divino, em Florianópolis, a mais importante do calendário açoriano. De caráter cristão, este evento não pode ser dissociado da devoção ao Espírito Santo, sequer da tradição que permanece acesa através de ações solidárias e da vivência religiosa. Realizada há mais de 250 anos, na comunidade de Santo Antônio de Lisboa, na capital catarinense, ela é representada, invariavelmente, pelo aspecto folclórico, através do qual os açorianos tentam manter a autenticidade e o rigor do ato litúrgico. Na verdade, Gouvêa começa a pesquisar a herança cultural portuguesa, em 1999, no Rio de Janeiro. Nessa ocasião descobre a importância da realização de rituais para a comunidade luso-brasileira que busca reafirmar a ligação direta com a memória do passado rural dos tempos pré-emigratórios. Mais do que isso, Gouvêa acredita na possibilidade de reafirmar seus laços através de um ancestral familiar esquecido; de um retrato apagado pelo tempo; do português dono do botequim da esquina, ou mesmo de um parente próximo, que morando aqui há anos perpetua o sotaque carregado.
Estes dois ensaios, realizados em tempos distintos, se complementam através da fusão de fatos separados no tempo, mas que podem ser vistos numa cartografia flexível em seus contornos.Vejamos o seu itinerário. No espaço grandioso do mar, sem paredes, sem limites, a imagem do barco é símbolo da travessia. O tempo parece girar sobre si mesmo, enquanto a água passa, como se fosse estrada levando todas as famílias. Ao aportarmos em Florianópolis, as luzes da cidade se acendem pouco a pouco. Assim, a tênue luminosidade de uma pequena fresta se reflete no rosto da rendeira; ao lado, sombrinhas abertas permanecem isoladas, silenciosas, no canto da casa como refúgio. O jogo contínuo entre ocultar-se e revelar-se parece estar no retrato do homem que traz em seu rosto uma máscara de animal, enquanto que a claridade do sol se inscreve nos retratos da criança e das rendeiras. São horas cheias de dobras que se desnudam na pompa da festa do divino, onde os personagens ricamente trajados despertam em nós a memória dos tempos passados. Já o testemunho do movimento é dado pelo caleidoscópio de imagens. Ali, a artista repete de maneira quase cinemática um fragmento das mãos da rendeira, cujas diferenças visuais quase imperceptíveis se repetem, ora no álbum aberto com fotos impressas da festa do divino, ora no jogo compartilhado entre os homens. Patricia também produziu um vídeo da festa do Divino. A relação afetiva e saudosa emerge mais uma vez na figura do barco, lugar de devaneio, símbolo do périplo de nossa existência. Na sequência, imagens e os ruídos da cidade, assim como os cantos que tem uma capacidade notável de gerar uma nostalgia repentina. No fundo, são lembranças saudosas da manifestação do tempo em sua ausência dentro de nós.


Angela Magalhães/Nadja Fonseca Peregrino Curadoras e Pesquisadoras Associadas

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