02 agosto 2022

Texto de Maria Iovino para a individual 3 Séries (Colômbia, 2005)

Depois de muitos anos, consegui recuperar o texto da que a curadora e crítica de arte colombiana Maria Iovino escreveu em 2005 para a minha exposição individual 3 Séries, na Câmara de Comércio de Bogotá:


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Patricia Gouvêa se encontra, em nosso continente, entre os artistas que retornaram à representação da paisagem e de tópicos mais recorrentes no mundo natural, através de óticas que desestabilizam, no estranhamento do habitual e com lúcida delicadeza, as noções mais recorrentes ou acentuadas na interpretação do contexto ou das referências culturais. Esta operação é feita com uma compreensão do tempo e do espaço alheio aos simplismos, o que leva a uma apreciação renovada do que nos é próprio ou próximo.

 

Nestas proposições se reconhecem, portanto, distâncias e inclusive críticas (como no caso de Patricia Gouvêa), aos estereótipos latinoamericanistas na arte, embora na maior parte dos casos neles se expresse claramente uma preocupação em corresponder, com honestidade, às problemáticas e condicionamentos locais. É compreensível então que o imaginário nutrido por estas visões, além de ser invadido pelo ar, penetre até o íntimo da referência interpretativa, rompendo ou eliminando as demarcações mais conhecidas e

acentuadas.

 

Com esta força, Patricia Gouvêa revisita uma paisagem tão difundida no mundo do exuberante, do imponente e do exótico como é a do Rio de Janeiro ou a do território andino. Através da relocalização do seu horizonte e de seu ponto de fuga, da sensação de estremecimento formal e do deslocamento da cor que produz o fluxo vital em cada corpo do mundo visível, a artista detecta a impressão com a qual o devir, continuamente redesenha estas regiões, de maneira tanto inédita como inesperada.

 

Neste sentido, por baixo de uma aparência serena e talvez adormecida do que se considera estabelecido, Patricia Gouvêa nega com argumentações rotundas toda pré-conceitualização e, com ela, qualquer possibilidade de certeza, em um frenético batimento de vida, impossibilitado pela sua própria essência, para sustentar as demarcações que, contínua e eventualmente, traça o movimento.

 

O atrativo varrido de tempo que Patricia Gouvêa gera na paisagem, se fabrica com elementos temidos e, por esta mesma razão omitidos, na clarificação que fazem as interpretações ou as conceitualizações do mundo cognoscível, como são a incerteza e o mistério.

 

O contorno, como ficção do conhecimento está negada nesta proposta e quando é reconhecida, em séries como Fenda ou como Corpo Significante, se afirma como conflito, como abismo que devolve à origem e, nesta via como infinito circular da complexidade inextrincável.

 

Em oposição à Imagens Posteriores, em Fenda e em Corpo Significante é a fronteira que estremece o espaço mais íntimo das relações e dos intercâmbios, embora esta fronteira seja entendida como abertura simbólica ao fluxo em que se redesenham o particular e o comum. Com este olhar é que a geografia volta a tomar sua diáfana inscrição nos corpos de Corpo Significante, nos quais cada unidade do desenho comum é uma partícula evidentemente única e nos quais um tempo de todos e o trânsito incontestável, inscrevem uma e outra vez o que se crê conhecido e tangível. Elas operam com a confusão do múltiplo e do interminável, oculta atrás da face relaxante do cotidiano e do reiterado.

 

 

 

María A lovino

curadora e pesquisadora colombiana





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